domingo, 18 de abril de 2010

Cap. III - Sangue na Água


Os aventureiros descansam alguns dias em Thornwich enquanto Lilliana parte à frente para falar com o seu tutor em Londres sobre a demanda das jóias do poder. A rapariga indica-lhes uma estalagem, Os Três Vinténs, nas docas do rio Tamisa onde poderão pernoitar até ela dar notícias. No entanto, a fuga de Fergus da prisão local precipita os acontecimentos. Temendo pela vida de Lilliana, os aventureiros decidem partir imediatamente para a capital mesmo não totalmente recuperados dos seus ferimentos. Alguns dias depois, chegam a Londres e ficam alojados na estalagem que lhes fora indicada por Lilliana. Infelizmente, ninguém parece conhecer a rapariga e os aventureiros não têm outra opção senão aguardar por notícias dela.

Londres é uma cidade fervilhante e as docas ao longo do rio Tamisa ainda mais. Embarcações de todos os tamanhos cruzam as águas. Uma cacofonia de gritos enchem o ar. Marinheiros embarcam e desembarcam, vendedores anunciam a sua mercadoria e as tabernas enchem-se de gargalhadas e de homens à procura de companhia nos braços de uma bela mulher. A estalagem Os Três Vinténs tem vista para a Ponte de Londres. É um lugar confortável - tanto quanto uma estalagem nas docas pode ser confortável. Os aventureiros anseiam por alguns dias de descanso enquanto esperam por Lilliana. No entanto, uma conversa entre dois marinheiros atrai a sua atenção. Nas últimas noites, várias pessoas foram encontradas a boiar no rio, quiçá presas de algum grupo de bandidos. Nesse instante, irrompe pela estalagem um homem que anuncia a descoberta de outro corpo no rio.

Uma pequena multidão observa dois guardas que pescam um corpo inchado do rio. Um homem em cujas roupas e carne são visíveis golpes profundos e largos. A sua pele esbranquiçada contrasta com a língua púrpura e inchada que pende da boca. Um dos guardas sussurra para o outro: "Já é o quinto esta semana." Enquanto os guardas carregam o corpo para uma carroça, os aventureiros, curiosos, interrogam-nos. Tudo começou há uma semana, quando uma bruxa foi enforcada em praça pública, condenada por crimes de magia negra por um magistrado local. Desde então, a morte tem visitado as docas todas as noites e os corpos mancham as águas de sangue. Elena aproxima-se do cadafalso. Sob corpo da bruxa, que ainda pende pelo pescoço, repasto para os pássaros, há uma abertura para um túnel coberta por um gradeamento seguro por um cadeado. Pelo cheiro nauseabundo que emana da abertura, os aventureiros depreendem tratar-se de um esgoto.

Espicaçados por este mistério, os aventureiros decidem aguardar pela noite. Um nevoeiro lúgubre cobre o rio e a cidade como uma mortalha. As velas brancas dos barcos na bruma parecem espíritos que flutuam sobre as águas. Três figuras movem-se na escuridão até se deterem junto à entrada do esgoto. Com um pé de cabra, conseguem arrancar a fechadura e, em silêncio deixam-se deslizar até ao fundo. Os túneis abobadados são mais antigos que Londres, provavelmente de origem Romana. Os aventureiros são obrigados a arrastar-se num rio de detritos e dejectos nauseabundo. Iluminando o caminho com uma tocha procuram algo que esclareça o mistério mas algumas horas depois desistem quando se apercebem do verdadeiro labirinto em que se encontram. Desiludidos, decidem patrulhar as docas. Apercebem-se, então, de duas figuras que sobem a parede de um armazém com a ajuda de cordas.

Os aventureiros aproximam-se dos dois homens que, na sua atrapalhação, se empurram para fugir e caem. Num ápice, os três aventureiros estão em cima deles. Medrosos, os homens tentam fugir mas Elena consegue agarrar um enquanto Sebastian põe o outro a dormir com uma cacetada do cabo do seu machado. São apenas meros ladrões que tentavam assaltar o armazém e cujas desculpas não lhes salvam a pele. Os aventureiros entregam-nos às autoridades.

O silêncio volta a cair sobre a cidade. Quando decidem regressar à estalagem, ouvem um grito arrepiante. Acorrendo ao local, vão ao encontro de uma mulher em trajos de dormir que cambaleia de uma casa, histérica, desfalecendo à entrada. Sebastian tem a sensação de ver algo mover-se no nevoeiro mas a figura disforme desaparece. No interior, os aventureiros encontram uma cena macabra. Os sinais de luta são evidentes. Um corpo jaz inerte coberto de sangue, com a carne dilacerada por profundos golpes expondo as entranhas. Num outro quarto, os aventureiros encontram os pertences de uma criança mas nem sinais da mesma. Felizmente, descobrem um rasto de sangue que conduz a uma entrada de esgoto próxima, desta feita arrombada.

Os aventureiros seguem o túnel principal. A tocha é uma ilha de luz na escuridão total. As paredes húmidas e viscosas são frias e o lodaçal de detritos cobre os tornozelos. O ar é fétido e pesado. Num bifurcação, param para se orientarem. Nesse momento, vindo do seu lado esquerdo, ouvem uma cacofonia de guinchos estridentes que se aproxima rapidamente. O chão fica rapidamente coberto por uma massa ondulante que se alastra na sua direcção. Centenas de ratazanas correm em pânico para a saída. Apanhados de surpresa, os aventureiros tentam em vão evitar aquela maré mas as criaturas atacam e mordiscam na sua fúria. Jérôme e Elena aninham-se contra as paredes. Sebastian espezinha as criaturas para sair dali. Foge para um dos corredores laterais mas afastado da longe da luz da tocha é obrigado a apalpar caminho.

Quando se volta para chamar os companheiros, sente uma forte pancada nas costas e as roupas presas em algo que o puxa. Uma garra rasga-lhe as costas. Sente as roupas quentes e húmidas do sangue que jorra da ferida. Cai para a frente desnorteado, quase paralisado por uma dor intensa que lhe atravessa o tronco. Em vão esbraceja para se defender mas a escuridão é total. Elena corre para Sebastian com a tocha iluminando aquilo que o atacara: um gigantesco rato de esgoto, inchado, cujos olhos brilham de malícia e com as garras cobertas de sangue fresco. A criatura tem o tamanho de um pequeno pónei mas move-se com a rapidez de um predador que brinca com a sua presa. Jérôme prepara a sua pistola para disparar enquanto Elena se interpõe entre a criatura e Sebastian, gravemente ferido. Desfere vários golpes mas a pele do monstro é dura como couro. O tiro da pistola parece enfurecer ainda mais a criatura que ataca furiosamente. Elena protege a retirada de Sebastian não sem antes a ferir. Jérôme desembainha as suas espadas e ataca, criando uma oportunidade de fuga para a rapariga que corre para ajudar o companheiro. O terrível combate ecoa pelos túneis. Um segundo terrível golpe põe o gigantesco rato em fuga. Ferido de morte, cai alguns metros depois exausto. Jérôme desfere o golpe final.

São três figuras cansadas e feridas que emergem dos esgotos para o ar fresco da noite. Nos seus braços, Jérôme carrega a rapariguita levada do aconchego do seu quarto pelo monstro. Nos dias que se seguem, os aventureiros descobrem que, na hora da sua execução, a bruxa mordeu os seus próprios pulsos, derramando o seu sangue. À medida que as suas forças se esvaiam, amaldiçoou a multidão, jurando que, pelo seu sangue, se vingaria. O que aconteceu a seguir é pura especulação mas a abertura do esgoto encontra-se directamente sob o cadafalso. Quem sabe que poderes teria o sangue da bruxa? Talvez agora os aventureiros possam descansar merecidamente enquanto aguardam notícias de Lilliana.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Cap. II - O Homem Sem Face


Sebastian chega a Dorshire seguindo os sonhos de N'Longa. Fica surpreendido quando encontra Jérôme e Elena. Reconhece-os imediatamente, já que N'Longa lhe falara de outros errantes e os dois haviam surgido por várias vezes nos seus sonhos. Mas seriam apenas sonhos? Jérôme e Elena confirmam que não. Havia magia envolvida e algo mais. Sebastian fica a saber da demanda pelas jóias do poder e do antigo Mal que surgiria e que haveriam de combater. Por ora, está disposto a abandonar a sua sede de vingança e a seguir os seus dois novos companheiros. Elena, impaciente por partir, ignora os seus ferimentos. Não pretende ficar muito tempo no mesmo local com medo de ser reconhecida. E, numa manhã fria de Janeiro de 1610, os três companheiros fazem-se à estrada em direcção a Londres, onde esperam encontrar informações sobre os artefactos.

O ar é frio e cortante e o céu carregado de grossas nuvens negras. Os aventureiros atravessam uma floresta densa e húmida quando ouvem os pedidos de socorro de uma mulher abafados pelo rugir de um rio em fúria. Acorrendo ao local, vêem uma jovem agarrada a uma rocha, quase sem forças, e fustigada pelas águas gélidas. Tentara, sem dúvida, atravessar o vau mas as águas inchadas pelas recentes chuvadas arrastaram-na. Sem hesitar, Sebastian larga os seus pertences e atira-se ao rio, salvando a rapariga. Trémula mas agradecida, a rapariga arrepende-se da sua decisão impensada. Chama-se Liliana Knight e pede aos aventureiros que a acompanhem até à aldeia mais próxima, para protecção contra os bandidos das estradas. Confidencia que teme alguém que a persegue mas cujo nome teme pronunciar. Esse alguém é responsável por uma maldição que a aflige. Liliana está a definhar lentamente até à morte.

Os aventureiros percorrem agora uma estrada solitária, serpenteando por um arvoredo, quando dois homens, de grossas botas e capas, empunhando espadas e pistolas os interpelam. Ordenam que lhes entreguem a rapariga em troca da sua vida. Como os aventureiros recusam, um dos homens gesticula. Escondidos nos arbustos, estão outros dois homens, um de cada lado da estrada, empunhando pistolas. Jérôme desembainha o seu espadim e a main gaunche, correndo para a direita da estrada. Sebastian intercepta o homem à sua esquerda, com um machado e Elena corre junto de Jérôme enquanto Lilliana se protege atrás de uma árvore. Os bandidos tentam apanhar a rapariga mas caem perante a fúria dos golpes dos aventureiros. Sebastian abre a cabeça de um espalhando os seus miolos e sangue. Um dos bandidos defende-se da investida de Jérôme disparando a sua pistola mas falha o alvo. Elena abre o peito de outro com uma estocada. Num ápice, todos os bandidos estão caídos e Lilliana incólume.

Dois dos bandidos estão apenas feridos e quando interrogados, não sabem dizer a identidade de quem lhes pagou para levar a rapariga. Apenas que é um corcunda, escondendo a face com uma márcara de serrapilheira e uma voz arrastada. Os bandidos deveriam levar a rapariga ao cemitério da aldeia seguinte, à noite, onde ela seria entregue ao homem. Jérôme recusa-se a matar os homens, apesar da insistência de Lilliana. Matar homens desarmados e feridos é um acto de cobardia. Como tal, liberta-os e ordena-lhes que levem os seus companheiros mortos e desapareçam. Lilliana, assustada, revela que o homem sem face é o seu irmão, Fergus, que a quer morta e o causador da maldição. Perante esta revelação, os aventureiros interrogam-se que mais Lilliana lhes terá omitido. Jérôme, no entanto, já jurara levar a rapariga até à próxima aldeia: Thornwich. Aí, os aventureiros e Lilliana providenciam quartos n'O Galo Cantante, a única estalagem. Ninguém reconhece os nomes de Lilliana e Fergus Knight, nem reconhecem qualquer dos bandidos pela descrição. O único evento digno de discussão foi o enforcamento de um assassino que ainda se encontra pendurado no cadafalso, no centro da aldeia, e cuja execução fora espectáculo público. Decidem, então, aguardar pela noite, altura em que planeiam visitar o cemitério e esperar por Fergus.

A noite é escura com a lua escondida pelas nuvens. Um silêncio pesado cai sobre a aldeia. Uma porta range na estalagem. Sebastian apercebe-se do movimento e alerta Jérôme. Lilliana esgueira-se furtivamente do seu quarto e sai para o largo central da aldeia. Dirigindo-se ao cadafalso, ajoelha-se e desenterra algo do solo húmido. Apesar da distância e do negrume, Jérôme e Sebastian distinguem-se algo que se agita na mão da rapariga. Parece ser uma planta mas com uma forma toscamente humana, debatendo-se em vão. Lilliana retira uma faca e corta a "cabeça" da planta. Guarda-a na sua bolsa. Regressando à estalagem, é surpreendida pelos dois. Imediatamente revela que a sua doença mortal requer a ingestão de uma poção cujo um dos ingredientes é uma raiz de madrágora, raiz de planta rara que cresce em solo onde alguém é enforcado. Jérôme e Sebastian não sabem dizer se a rapariga fala verdade. Até agora tudo o que ela tem proferido têm sido meias-verdades e omissões. Com que intuito?

Ainda os dois aventureiros ponderam o que fazer, quando um trotear de um cavalo corta o silêncio da noite. Cuspido pelo negrume, surge uma figura bizarra. Um corcunda montado num cavalo negro. As suas vestes negras e capa esvoaçante, com a cabeça coberta por uma máscara de serrapilheira, fá-lo parecer um demónio saído do Inferno. A sua forma deformada mistura-se com a do cavalo numa mancha negra disforme e fantasmagórico. Atrás de si, surgem os dois bandidos poupados pelos aventureiros, de mosquetes prontos a disparar. Com uma voz arrastada como se a língua fosse demasiado inchada para a boca, ordena que a rapariga saia da estalagem. Lilliana roga aos aventureiros que a protejam. Elena, agora acordada pela comoção, corre até aos companheiros.

Fergus exige que a irmã lhe revele o segredo para recuperar a forma sã do corpo. Revela aos aventureiros que ambos criaram uma poção da imortalidade mas enquanto Lilliana conseguiu distilar a fórmula para manter o seu corpo são e jovem, guardou segredo. O corpo de Fergus continua a definhar e a envelhecer embora a morte nunca o leve. Fergus garante que a irmã é uma pessoa odiosa e que os aventureiros poderão partir em troca dela. Lilliana garante que não sabe como curar o corpo deformado do irmão. Indecisos, os aventureiros decidem proteger Lilliana. Fergus decide chamar a si ajuda. Os dois bandido protegem-se com o cadafalso esperando que os aventureiros saiam da estalagem. Jérôme consegue correr para o centro do largo, protegendo-se por detrás de um poço. Na escuridão todos os vultos são indistintos. As chamas das mechas dos mosquetes flutuam como vagalumes. Mas algo mais se move no negrume.

Lenta e impiedosamente, um grupo de figuras arrasta-se para junto de Fergus. Os aventureiros reconhecem os bandidos mortos na estrada. Mas que magia negra é responsável por este horror? Fergus gesticula algo e instintivamente os aventureiros sabem que ele é o responsável pelo regresso dos mortos. Sem hesitar, Sebastian dispara mas a sua pistola encrava. Jérôme dispara também, atingindo-o no ombro e investe sobre os bandidos junto ao cadafalso mas estes antecipam a sua manobra e disparam, falhando o alvo. De súbito, Jérôme vê-se cercado pelos mortos que o tentam derrubar por terra. Para se poder defender, o espadachim larga a sua pistola e desembainha as suas armas. Com os dois distraídos, Fergus fustiga o cavalo para a estalagem ao encontro da irmã, mas Elena salta por uma janela pronta a atacar. O seu tiro falha o alvo e Fergus corre para o interior gritando por Lilliana. Sebastian acorre em sua ajuda. Com um tremendo golpe do seu machado, atinge Fergus nas costas derrubando-o. Cobardemente, os dois bandidos decidem fugir não sem antes disparar, desesperadamente, uma última vez contra Jérôme. A sorte favorece-os. Um tiro certeiro atinge-o no estômago. Uma dor lacinante trespassa-lhe o corpo e Jérôme sente a visão turvar-se. Lilliana corre para o exterior e antes que o pior aconteça gesticula no ar. As criaturas detêm-se e os seus corpos desintegram-se, como areia arrastada pelo vento.

Finalmente, Fergus é levado para a cadeia. Lilliana, eternamente agradecida, revela que o seu tutor em Londres, um alchimista e mago, poderá saber algo sobre as jóias do poder que os aventureiros procuram. Por ora, Jérôme decide descansar para recuperar dos seus severos ferimentos.

terça-feira, 30 de março de 2010

O Dragão de Uffington - parte 2


No dia seguinte, os heróis levantam-se cabeça fresca, pedem um farnel ao estalajadeiro e partem para investigar a região e qualquer traço do dragão. A primeira paragem é a figura branca, traçada no monte. Sem qualquer dúvida, tratam-se de contornos criados com uma substância semelhante a giz, mas manchados de sangue. Os heróis recordam as histórias dos locais que dizem que o sangue é um sinal de que o dragão está de novo a despertar. Olhando à sua volta, os heróis vêem toda uma vasta região de montes roliços verdejantes, campos cultivados e aldeias pitorescas. A Norte, ergue-se um monte de relevo peculiar, cujo topo é plano. A Sul, ergue-se um outro monte, cujas encostas parecem recortadas em degraus. Ali perto,

Os heróis partem para norte, atravessando os campos de erva húmida com o orvalho da manhã e sobem o monte raso. Os locais chama-lhe Dragon Hill, provavelmente por causa da antiga lenda que refere o combate do padre com o dragão e onde supostamente o dragão teria morrido. À primeira vista, nada de estranho. O solo está coberto de relva, sem qualquer outro tipo de vegetação. Andando de um lado para o outro, Jérôme pisa um botão ainda agarrado a um pedaço de pano. Sem dúvida trata-se de um botão do punho de um casaco, cujo brasão gravado na superfície não conseguem identificar. Elena tenta recordar-se em vão se o brasão do fidalgo Richards seria igual. Sem saber o que fazer ao botão, guardam-no.

Ali perto, os dois heróis vêem os campos cultivados da região. Recordando o aldeão que diz ter visto os campos queimados depois do dragão ter por ali passado, decidem investigar mais de perto. É óbvio que algo queimou os campos. Um rasto de terra e plantas queimadas marca os campos como uma cicatriz gigante. A terra foi pisada por algo gigantesco e, embora os heróis não descubram qualquer outro indício, os factos parecem confirmar as piores suspeitas dos aldeãos.

O sol começa a atingir o zénite. Aqui e ali, manadas de vacas passeiam-se prazenteiramente, comendo a relva e deleitando-se no sol pálido do meio do dia. Jérôme e Elena sobem até ao cume do monte a sul, cujo relevo é recortado em degraus. A superfície das encostas é pontilhada como um queixo por pequenas tocas de texugos. No topo, são visíveis os restos antiquíssimos de uma antiga muralha de terra que circunda o cume do monte com um fosso a toda a volta. Trata-se de uma construção com centenas de anos, erodida pelo tempo, intocada pelas gentes locais, o que torna ainda mais óbvio a terra remexida. Os heróis apercebem-se imediatamente que a zona remexida é um pequeno rectângulo que sugere a forma de uma campa. Temendo o pior, Jérôme e Elena descobrem um cadáver em avançado estado de decomposição, envergando um hábito. É, sem dúvida, o padre que desaparecera há alguns dias. A sua mão inchada aperta um pedaço de pano que coincide que o pano do botão encontrado anteriormente. Lentamente, as peças do puzzle começam a encaixar.

Para esclarecer o mistério e confirmar as suas suspeitas, os dois companheiros regressam a Uffington onde confirmam, inquirindo os aldeãos, que o brasão no botão pertence à família Vane. Desta forma, Jérôme e Elena conseguem demonstrar aos aldeãos de que, na verdade, o dragão não existe e que Richard Vane parece ser o responsável. Apenas podem especular quanto às razões do fidalgo mas os aldeãos são facilmente persuadidos a juntarem um grupo e a atacarem o castelo de Richard Vane para vingar a morte do padre e a atmosfera de medo que se tem vivido. Armados com forquilhas, machados, facas e archotes, a turba avança sobre o solar ao cair da noite. Apanhado de surpresa, Richard Vane ordena aos seus homens que o defendam. A multidão irrompe pela sala principal onde Vane e os seus homens enchiam a barriga em redor de uma mesa farta de comida.

Apesar da fúria que os impele, os aldeãos sentem ainda o medo de atacarem um nobre mas Vane, na sua vaidade e arrogância desmedidas, insulta os aldeãos, revelando afinal que o dragão era apenas uma desculpa para que os ignorantes dos aldeãos oferecem-se uma virgem em sacrifício, virgem que seria Martha, a rapariga que Jérôme e Elena haviam salvado no dia anterior. Vane afinal é obcecado pela rapariga. A ovelha no fundo da ravina servira para dar o sangue que os aldeãos julgavam ser do dragão que renascia. As colheitas foram queimadas pelos homens de Vane. Mas quando o plano correra bem demais, e o padre decidira defrontar o dragão, Vane não tivera outra opção senão matá-lo para o impedir de revelar o seu plano.

Sentido-se traído pelo que considera ser os seus inferiores, ordena aos homens que ataquem. O combate é sangrento. Os aldeãos lutam corajosamente mas o treino militar dos homens de Vane dá-lhes a vantagem. No caos da batalha, por entre membros decepados, homens guinchando de dor e sangue cobrindo o chão e as paredes, Jérôme e Elena conseguem aproximar-se Vane para desferir o golpe mortal. Mas os homens de Vane protegem-no cegamente, cobrindo a sua retirada. Impotentes para impedir a sua fuga, os aventureiros auxiliam os aldeãos contra os guardas, cobrindo a sua fuga para fora do solário. No final da noite, o massacre termina por fim, com os homens de Vane mortos ou dispersos e muitos dos aldeãos mortos ou feridos.

Jérôme e Elena recuperam dos seus ferimentos. A vida na aldeia retorna à normalidade. Quando a memória dos eventos se desvanece na mente dos aldeãos, os dois aventureiros fazem-se à estrada, cientes que, apesar de terem deixado Vane fugir, cumpriram a sua obrigação, ajudando os fracos e oprimidos contra o despotismo daqueles que estão no poder.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Cap. I - A Aldeia dos Malditos


Jérôme d'Alembert e Elena Valdez viajam há alguns dias numa estrada campestre da Inglaterra. Dois estranhos, em terra estranha, o seu destino é Dorshire, um aglomerado de casas rústicas de pedra com telhados de colmo, com uma igreja recentemente renovada. Os dois aventureiros depressa se apercebem da atmosfera de opressão e desespero. A grande maioria dos aldeãos adultos padece de uma ou outra maleita física como se uma epidemia se tivesse abatido sobre a aldeia. Um homem passa sem os dedos de uma mão, um outro usa uma pala, a uma mulher parece faltar-lhe uma orelha. Um pobre coitado, sentado na soleira de uma casa, sem dois braços chama os aventureiros e pede-lhes um pouco de comida. Quando questionado sobre o que lhe aconteceu, o aldeão apenas responde: "Nada que eu não merecessesse!"

Sabendo que o sonho de N'longa os trouxera até ali por alguma razão, Jérôme e Elena sentem que estão a ser testados. Na única estalagem da aldeia, estranham a comida ser tão parca e não haver bebidas alcóolicas. O estalajadeiro apenas responde que a gula é um pecado mortal e que ninguém devem cair em tentação. Os restantes presentes, em especial um velhote, são mais abertos. Revelam que a aldeia sofre a maldição lançada por uma bruxa, Ellie Cinzenta, por ter sido expulsa da cidade. O camponês Talbot, que se gabava de ser forte como um touro, mal pode sair agora da cama. A Srª. Jenkins, que adorava comer, foi encontrada na sua cama como que atacada por um animal e sem estômago. A lista é infindável. Apesar de ter sido a curandeira e parteira da cidade, conhecedora de poções e unguentos, e consultada amiúde pelos aldeãos para prever o futuro, os aldeãos descobriram que era a meretriz do Diabo. Instigados pelo novo reverendo, um grupo arrastou Ellie de sua casa e expulsou-a, não sem antes ela amaldiçoar Dorshire pelos seus actos.

Procurando saber mais, Jérôme e Elena dirigem-se à Igreja. Recentemente renovada, é o maior edifício da aldeia, com uma torre com um sino e uma nave central. Cá fora, junto a uma das paredes, repousam várias ferramentas, uma pilha de blocos de pedra e areia. O reverendo Jefferies recebe os aventureiros com simpatia. É um homem bastante novo para a sua posição, com cabelos negros e ondulados, nariz curvo e olhos que irradiam simpatia. Chegado recentemente a Dorshire, descobriu que os aldeãos ainda se agarravam a crenças pagãs, na pessoa de Ellie Cinzenta. Acreditavam que ela podia prever o futuro e usar poções curativas, quando esse poder está reservado ao Todo o Poderoso. Os seus sermãos tocaram nos corações dos aldeãos que "persuadiram" Ellie a sair da aldeia. Apesar de tudo, o reverendo acredita que a maldição foi um bom sinal uma vez que, sofrendo na carne pelos seus pecados, os aldeãos são agora mais devotos que nunca.

Os dois aventureiros desconfiam que a chegada do novo reverendo e o mal que se abateu sobre Dorshire poderá ser mais do que mera coincidência. Determinados a chegar ao fundo da questão, questionam alguns aldeãos longe dos olhares e ouvidos do bom reverando. Finalmente, após alguma insistência, conseguem descobrir que, na fatídica tarde, durante a qual Ellie foi expulsa, apenas duas pessoas entraram na casa dela: o reverendo Jefferies e um homem chamado Gilbert Brewer. Os restantes aguardaram no exterior. Pouco depois, Gilbert arrastou Ellie para fora e a pobre mulher foi expulsa da cidade à pedrada. Na altura, Percy Webb que estava mais perto da janela contestou o relato do reverendo mas ninguém iria colocar a palavra de um bêbedo acima da palavra de um homem de Deus.

Finalmente uma luz. Percy Webb, outrora um alcoólico, é agora um homem doente. Sem bebida na aldeia, sofre o dia inteiro de tremuras e febre. A sua casa exala um intenso cheiro a urina e suor. Jérôme e Elena arrancam-lhe as palavras, mesmo quando ele se contorce de dores. Sim, ele estava junto à janela. Ellie não disse que a aldeia sofreria pelos seus pecados. Apenas o reverendo e Brewer. Ou pelo menos foi isso que ele julgou ouvir. Ninguém acreditou nele na altura. Como o reverendo ainda não sofreu nada e a aldeia está em sofrimento, talvez ele tenha percebido mal as palavras de Ellie. Antes de confrontarem o reverendo, os dois aventureiros decidem falar com Brewer, a única outra testemunha da maldição.

Os dois encontram Brewer a regressar do campo ao entardecer. É um homem alto e forte, de farta barba e passos largos. Totalmente devoto, Brewer defende que a aldeia sofre pelos seus pecados e que Deus quer que todos sigam a Sua palavra. A história aconteceu tal como o reverendo a relata. O homem parece sincero nas suas palavras mas antes que alguém possa reagir, ouvem-se murmúrios sussurrando: "Mentiroso! Mentiroso!" Subitamente, das sombras da casa, saltam três horrendas criaturas, não maiores que crianças pequenas mas de pele negra, olhos vermelhos brilhando de ódio, e finos braços e pernas terminando em afiadas garras. As suas bocas revelam dentes afiados e uma língua movendo-se obscenamente. As três criaturas saltam sobre Brewer e tentam arrancar-lhe a língua. Jérôme e Elena ainda conseguem matar uma das criaturas mas as outras rasgam a face de Brewer e desaparecem nas sombras. O camponês jorra sangue da boca e fica em estado de choque mas antes de desmaiar consegue escrever na mesa, com o seu próprio sangue: "Percy verdade. Reverendo mentiu."

Finalmente, a hora da verdade chegou. Arrastando um bastante abalado e ensaguentado Brewer, os dois aventureiros, ainda atordoados com a reviravolta dos eventos correm para a igreja onde está a decorrer a missa da noite. Irrompendo porta adentro, confrontam o reverendo. Os aldeãos atónitos recebem a notícia com silêncio. O silêncio religioso da igreja é cortado por sussurros, os mesmos que os aventureiros ouviram antes em casa de Brewer. Várias criaturas negras, com os seus corpos retorcidos, saltam das sombras e atacam os presentes, incluíndo o reverendo ao qual dizem: "Orgulho! Mentira!" Gera-se a confusão. Os aldeãos, em pânico, correm para a saída, atropelando-se. Jérôme desembainha as suas espadas e corre em auxílio do reverendo que é atacado por duas criaturas. Elena corre até à porta, ajudando os aldeãos a sair.

Jérôme mata as duas criaturas. O reverendo está paralizado de medo. Elena defende corajosamente os aldeãos enquanto estes saltam por cima dos bancos da igreja, tropeçando e acotovelando-se. A sua espada decapita e esventra várias criaturas até não sobrar alguma. Livres do perigo, forçam o reverendo a contar toda a verdade. Sim, ele instigou a expulsão da bruxa mas a maldição que ela lançou foi só sobre ele e Brewer. Nessa mesma noite, estas criaturas vieram para o punir mas ele conseguiu fazer um pacto com elas. As criaturas poderiam punir qualquer pecador de Dorshire, se o poupassem. O reverendo acredita sinceramente que estava a practicar o bem, mas no fim o orgulho foi a sua perdição e pecado. Após esta confissão, os aldeãos juntam-se para linchar o reverendo mas um discurso apaixonado de Jérôme salva a vida de Jefferies que é apenas expulso da aldeia.

Nessa mesma noite, N'longa surge num sonho exortando os aventureiros a lutarem contra um Mal que se ergue. Conhecido por muitos nomes, tem muitas face: os filhos de Abraão conhecem-no como Satã, para os homens de África é a Grande Serpente e quando o Egipto era jovem, o seu nome era Apep. Os aventureiros devem agora descobrir onde dorme e matá-lo mas para tal precisam das seis jóias de poder. Onde estão, N'longa não sabe. Ao longo dos séculos, foram espalhadas pelo mundo. Cabe agora aos aventureiros descobrir o seu paradeiro e uní-las contra o grande Mal que se avizinha. A demanda pelos antigos artefactos começou e os aventureiros seguem agora o caminho de Solomon Kane!

domingo, 3 de maio de 2009

A Abadia do Medo



[NOTA]: Apesar das semelhanças entre estas personagens e as personagens da campanha oficial que estamos actualmente a jogar, O Caminho de Kane, a relação entre ambas é ténue. Podemos dizer que estas são o protótipo das outras quando os jogadores criaram personagens para uma aventura curta para testar o sistema.

PROTAGONISTAS

Jérôme d'Alembert - Antigo membro da guarda real de Luís XIII de França. Após alguns anos, decide sair e explorar o mundo.

Éloise Danglars - Oriunda de uma família nobre de França, os pais naufragaram a caminho do Novo Mundo. Única sobrevivente, foi salva por Olivier le Bouchon, o pirata. Integrada na tripulação como filha adoptiva de Olivier, depressa ganhou a admiração da tripulação numa série de ataques às colónias Espanholas e Portuguesas das Caraíbas. Mais tarde, voltou para reclamar a herança da família em França mas foi traída. Mudou de identidade para fugir às autoridades.

Ano 1610. As duas personagens viajam para Paris, atravessando uma zona idílica e pastoral a alguns dias a Sul da capital de França. Os prados verdes estendem-se até se perderem de vista, aqui e ali pontuados por pequenas zonas arborizadas, e por casas campestres simples, por campos cultivados e gado a pastar. Antes de chegarem à aldeia de Bienville, passam por uma igreja católica romana de construção relativamente recente. A aldeia em si é um pequeno aglomerado de casas de pedra simples em redor de um largo central. As personagens dirigem-se à estalagem Le Grenou para aí pernoitar antes de, no dia seguinte, continuarem para Paris.

Um grupo de homens parece discutir enquanto o estalajadeiro corre as outras mesas atendendo os poucos locais que ignoram a discussão. Curiosa, Éloise senta-se numa mesa perto do grupo. Aparentemente, um dos homens, com roupas de boa qualidade (sapatos novos, uma túnica e barba bem aparada) tenta convencer um grupo de homens que são trabalhadores a continuarem o seu trabalho na abadia. O porta-voz dos trabalhadores recusa dizendo que o local está assombrado e já lá perdeu um homem. Fartos, os trabalhadores desistem e saem da estalagem.

Eventualmente as personagens conversam com o homem e descobrem que é um rico mercador, herdeiro de uma propriedade fora da aldeia, onde se erguem as ruínas de uma abadia. Contratou trabalhadores para construírem nas ruínas a sua nova mansão. Mas agora os trabalhadores queixam-se que as ruínas estão assombradas e que algo matou um dos seus homens. Curiosas, as personagens decidem investigar, não sem antes o estalajadeiro os advertir que as ruínas são um local maldito e que as histórias que se contam são verdadeiras. Na aldeia, evitam falar das ruínas enquanto se benzem e trancam as portas. Apesar de tudo, as personagens ficam ainda mais curiosas e antes de partirem decidem visitar o padre da aldeia.

O padre recebe-os de bom grado mas fica surpreso quando lhe contam as suas intenções de explorarem as ruínas. Segundo ele, a abadia foi construída por monges da ordem de São Bento (Beneditinos) em 1300 e qualquer coisa. Há 30 anos, a abadia foi pilhada por Huguenotes (nas guerras religiosas de França) e desde então caiu no abandono. Os monges venderam o resto da propriedade e partiram. Os terrenos passaram então para as mãos de uma família rica cujo herdeiro é o homem que as personagens conheceram na estalagem. Desde a sua destruição, a abadia tem sido assombrada por uma força demoníaca e os locais evitam aproximar-se. Munidos desta informação, as personagens partem para as ruínas.

A alguns quilómetros, numa elevação solitária e fustigada pelo vento, a silhueta ameaçadora da abadia projecta a sua sombra sobre as personagens. O edifício principal é a nave da igreja com um claustro de um dos lados. Paredes destruídas são testemunho da violência que ocorreu neste lugar. A lua cheia lança a sua luz pálida e doentia sobre a abadia. As personagens depressa descobrem o acampamento dos trabalhadores no interior da abadia e começam de imediato a explorar o lugar. Mas algo não está bem. Ao entrarem no claustro deparam com uma figura que caminha na direcção deles, saída das sombras das arcadas opostas. A criatura, um morto-vivo em decomposição, é seguida por outras três que atacam as personagens. Depressa são despachados a golpes de espada mas ao regressarem à Igreja, as personagens apercebem-se de outros movimentos furtivos. Mais criaturas mortas-vivas atacam as personagens.

Depois do combate, as personagens confirmam que, de facto, a abadia é assombrada por algo. Explorando-a com cuidado, descobrem uma passagem por detrás do altar que conduz a uma catacumba. Aí, por detrás de uma parede agora destruída, encontram um esqueleto debruçado sobre uma mesa com restos de comida há muito secos. O lugar parece ser uma antiga prisão e a parede sugere que alguém foi emparedado aqui. Na parede, alguém escreveu com sangue: Constance. Antes que as personagens possam continuar a sua exploração, o esqueleto ergue-se e, com uma força sobre-humana, ataca-os acompanhado pelos mortos que descem as escadas. Com algum custo, as personagens conseguem livrar-se das hediondas criaturas, destruindo-as e fugindo.

De volta à aldeia, falam com o padre e descobrem nos registos antigos da paróquia a referência a um Tomás de Grellan, monge da abadia, que fora condenado por bruxaria e executado. Segundo os registos, Constance era de uma antiga família da região. A moradia ainda existe embora em ruínas e, no interior, as personagens descobrem uma antiga bíblia com uma árvore genealógica da família. Constance está indicada como tendo morrido muito nova. Uma nota escrevinhada à pressa revela que a rapariga definhou pouco depois do desaparecimento de Tomás de Grellan. As peças começam, pouco a pouco, a encaixar.

Sabendo que a única maneira de dar paz ao espírito atormentado de Tomás é reuni-lo com a sua amada Constance, as personagens visitam a cripta da família. Enquanto Éloise pretende levar as ossadas de Constance para a abadia, Jérôme opõem-se veementemente. Regressam à aldeia para aí pernoitar mas Éloise, teimosa, parte sem o seu companheiro e regressa à cripta de Constance para levar as ossadas. Jérôme parte em direcção à abadia, pressupondo erradamente que Éloise teria ido para aí. Atacado sozinho na abadia pelas criaturas mortas, cai vítima da ira de Tomás de Grellan, o espírito que atormenta o lugar.

Até hoje, a abadia continua a ser um lugar amaldiçoado que os locais evitam a todo o custo. Dizem os aldeãos que o que quer que atormente a abadia, continua a fazer-se ouvir pela noite dentro: um som cruel e arrepiante de uma alma penada.