domingo, 18 de abril de 2010

Cap. III - Sangue na Água


Os aventureiros descansam alguns dias em Thornwich enquanto Lilliana parte à frente para falar com o seu tutor em Londres sobre a demanda das jóias do poder. A rapariga indica-lhes uma estalagem, Os Três Vinténs, nas docas do rio Tamisa onde poderão pernoitar até ela dar notícias. No entanto, a fuga de Fergus da prisão local precipita os acontecimentos. Temendo pela vida de Lilliana, os aventureiros decidem partir imediatamente para a capital mesmo não totalmente recuperados dos seus ferimentos. Alguns dias depois, chegam a Londres e ficam alojados na estalagem que lhes fora indicada por Lilliana. Infelizmente, ninguém parece conhecer a rapariga e os aventureiros não têm outra opção senão aguardar por notícias dela.

Londres é uma cidade fervilhante e as docas ao longo do rio Tamisa ainda mais. Embarcações de todos os tamanhos cruzam as águas. Uma cacofonia de gritos enchem o ar. Marinheiros embarcam e desembarcam, vendedores anunciam a sua mercadoria e as tabernas enchem-se de gargalhadas e de homens à procura de companhia nos braços de uma bela mulher. A estalagem Os Três Vinténs tem vista para a Ponte de Londres. É um lugar confortável - tanto quanto uma estalagem nas docas pode ser confortável. Os aventureiros anseiam por alguns dias de descanso enquanto esperam por Lilliana. No entanto, uma conversa entre dois marinheiros atrai a sua atenção. Nas últimas noites, várias pessoas foram encontradas a boiar no rio, quiçá presas de algum grupo de bandidos. Nesse instante, irrompe pela estalagem um homem que anuncia a descoberta de outro corpo no rio.

Uma pequena multidão observa dois guardas que pescam um corpo inchado do rio. Um homem em cujas roupas e carne são visíveis golpes profundos e largos. A sua pele esbranquiçada contrasta com a língua púrpura e inchada que pende da boca. Um dos guardas sussurra para o outro: "Já é o quinto esta semana." Enquanto os guardas carregam o corpo para uma carroça, os aventureiros, curiosos, interrogam-nos. Tudo começou há uma semana, quando uma bruxa foi enforcada em praça pública, condenada por crimes de magia negra por um magistrado local. Desde então, a morte tem visitado as docas todas as noites e os corpos mancham as águas de sangue. Elena aproxima-se do cadafalso. Sob corpo da bruxa, que ainda pende pelo pescoço, repasto para os pássaros, há uma abertura para um túnel coberta por um gradeamento seguro por um cadeado. Pelo cheiro nauseabundo que emana da abertura, os aventureiros depreendem tratar-se de um esgoto.

Espicaçados por este mistério, os aventureiros decidem aguardar pela noite. Um nevoeiro lúgubre cobre o rio e a cidade como uma mortalha. As velas brancas dos barcos na bruma parecem espíritos que flutuam sobre as águas. Três figuras movem-se na escuridão até se deterem junto à entrada do esgoto. Com um pé de cabra, conseguem arrancar a fechadura e, em silêncio deixam-se deslizar até ao fundo. Os túneis abobadados são mais antigos que Londres, provavelmente de origem Romana. Os aventureiros são obrigados a arrastar-se num rio de detritos e dejectos nauseabundo. Iluminando o caminho com uma tocha procuram algo que esclareça o mistério mas algumas horas depois desistem quando se apercebem do verdadeiro labirinto em que se encontram. Desiludidos, decidem patrulhar as docas. Apercebem-se, então, de duas figuras que sobem a parede de um armazém com a ajuda de cordas.

Os aventureiros aproximam-se dos dois homens que, na sua atrapalhação, se empurram para fugir e caem. Num ápice, os três aventureiros estão em cima deles. Medrosos, os homens tentam fugir mas Elena consegue agarrar um enquanto Sebastian põe o outro a dormir com uma cacetada do cabo do seu machado. São apenas meros ladrões que tentavam assaltar o armazém e cujas desculpas não lhes salvam a pele. Os aventureiros entregam-nos às autoridades.

O silêncio volta a cair sobre a cidade. Quando decidem regressar à estalagem, ouvem um grito arrepiante. Acorrendo ao local, vão ao encontro de uma mulher em trajos de dormir que cambaleia de uma casa, histérica, desfalecendo à entrada. Sebastian tem a sensação de ver algo mover-se no nevoeiro mas a figura disforme desaparece. No interior, os aventureiros encontram uma cena macabra. Os sinais de luta são evidentes. Um corpo jaz inerte coberto de sangue, com a carne dilacerada por profundos golpes expondo as entranhas. Num outro quarto, os aventureiros encontram os pertences de uma criança mas nem sinais da mesma. Felizmente, descobrem um rasto de sangue que conduz a uma entrada de esgoto próxima, desta feita arrombada.

Os aventureiros seguem o túnel principal. A tocha é uma ilha de luz na escuridão total. As paredes húmidas e viscosas são frias e o lodaçal de detritos cobre os tornozelos. O ar é fétido e pesado. Num bifurcação, param para se orientarem. Nesse momento, vindo do seu lado esquerdo, ouvem uma cacofonia de guinchos estridentes que se aproxima rapidamente. O chão fica rapidamente coberto por uma massa ondulante que se alastra na sua direcção. Centenas de ratazanas correm em pânico para a saída. Apanhados de surpresa, os aventureiros tentam em vão evitar aquela maré mas as criaturas atacam e mordiscam na sua fúria. Jérôme e Elena aninham-se contra as paredes. Sebastian espezinha as criaturas para sair dali. Foge para um dos corredores laterais mas afastado da longe da luz da tocha é obrigado a apalpar caminho.

Quando se volta para chamar os companheiros, sente uma forte pancada nas costas e as roupas presas em algo que o puxa. Uma garra rasga-lhe as costas. Sente as roupas quentes e húmidas do sangue que jorra da ferida. Cai para a frente desnorteado, quase paralisado por uma dor intensa que lhe atravessa o tronco. Em vão esbraceja para se defender mas a escuridão é total. Elena corre para Sebastian com a tocha iluminando aquilo que o atacara: um gigantesco rato de esgoto, inchado, cujos olhos brilham de malícia e com as garras cobertas de sangue fresco. A criatura tem o tamanho de um pequeno pónei mas move-se com a rapidez de um predador que brinca com a sua presa. Jérôme prepara a sua pistola para disparar enquanto Elena se interpõe entre a criatura e Sebastian, gravemente ferido. Desfere vários golpes mas a pele do monstro é dura como couro. O tiro da pistola parece enfurecer ainda mais a criatura que ataca furiosamente. Elena protege a retirada de Sebastian não sem antes a ferir. Jérôme desembainha as suas espadas e ataca, criando uma oportunidade de fuga para a rapariga que corre para ajudar o companheiro. O terrível combate ecoa pelos túneis. Um segundo terrível golpe põe o gigantesco rato em fuga. Ferido de morte, cai alguns metros depois exausto. Jérôme desfere o golpe final.

São três figuras cansadas e feridas que emergem dos esgotos para o ar fresco da noite. Nos seus braços, Jérôme carrega a rapariguita levada do aconchego do seu quarto pelo monstro. Nos dias que se seguem, os aventureiros descobrem que, na hora da sua execução, a bruxa mordeu os seus próprios pulsos, derramando o seu sangue. À medida que as suas forças se esvaiam, amaldiçoou a multidão, jurando que, pelo seu sangue, se vingaria. O que aconteceu a seguir é pura especulação mas a abertura do esgoto encontra-se directamente sob o cadafalso. Quem sabe que poderes teria o sangue da bruxa? Talvez agora os aventureiros possam descansar merecidamente enquanto aguardam notícias de Lilliana.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Cap. II - O Homem Sem Face


Sebastian chega a Dorshire seguindo os sonhos de N'Longa. Fica surpreendido quando encontra Jérôme e Elena. Reconhece-os imediatamente, já que N'Longa lhe falara de outros errantes e os dois haviam surgido por várias vezes nos seus sonhos. Mas seriam apenas sonhos? Jérôme e Elena confirmam que não. Havia magia envolvida e algo mais. Sebastian fica a saber da demanda pelas jóias do poder e do antigo Mal que surgiria e que haveriam de combater. Por ora, está disposto a abandonar a sua sede de vingança e a seguir os seus dois novos companheiros. Elena, impaciente por partir, ignora os seus ferimentos. Não pretende ficar muito tempo no mesmo local com medo de ser reconhecida. E, numa manhã fria de Janeiro de 1610, os três companheiros fazem-se à estrada em direcção a Londres, onde esperam encontrar informações sobre os artefactos.

O ar é frio e cortante e o céu carregado de grossas nuvens negras. Os aventureiros atravessam uma floresta densa e húmida quando ouvem os pedidos de socorro de uma mulher abafados pelo rugir de um rio em fúria. Acorrendo ao local, vêem uma jovem agarrada a uma rocha, quase sem forças, e fustigada pelas águas gélidas. Tentara, sem dúvida, atravessar o vau mas as águas inchadas pelas recentes chuvadas arrastaram-na. Sem hesitar, Sebastian larga os seus pertences e atira-se ao rio, salvando a rapariga. Trémula mas agradecida, a rapariga arrepende-se da sua decisão impensada. Chama-se Liliana Knight e pede aos aventureiros que a acompanhem até à aldeia mais próxima, para protecção contra os bandidos das estradas. Confidencia que teme alguém que a persegue mas cujo nome teme pronunciar. Esse alguém é responsável por uma maldição que a aflige. Liliana está a definhar lentamente até à morte.

Os aventureiros percorrem agora uma estrada solitária, serpenteando por um arvoredo, quando dois homens, de grossas botas e capas, empunhando espadas e pistolas os interpelam. Ordenam que lhes entreguem a rapariga em troca da sua vida. Como os aventureiros recusam, um dos homens gesticula. Escondidos nos arbustos, estão outros dois homens, um de cada lado da estrada, empunhando pistolas. Jérôme desembainha o seu espadim e a main gaunche, correndo para a direita da estrada. Sebastian intercepta o homem à sua esquerda, com um machado e Elena corre junto de Jérôme enquanto Lilliana se protege atrás de uma árvore. Os bandidos tentam apanhar a rapariga mas caem perante a fúria dos golpes dos aventureiros. Sebastian abre a cabeça de um espalhando os seus miolos e sangue. Um dos bandidos defende-se da investida de Jérôme disparando a sua pistola mas falha o alvo. Elena abre o peito de outro com uma estocada. Num ápice, todos os bandidos estão caídos e Lilliana incólume.

Dois dos bandidos estão apenas feridos e quando interrogados, não sabem dizer a identidade de quem lhes pagou para levar a rapariga. Apenas que é um corcunda, escondendo a face com uma márcara de serrapilheira e uma voz arrastada. Os bandidos deveriam levar a rapariga ao cemitério da aldeia seguinte, à noite, onde ela seria entregue ao homem. Jérôme recusa-se a matar os homens, apesar da insistência de Lilliana. Matar homens desarmados e feridos é um acto de cobardia. Como tal, liberta-os e ordena-lhes que levem os seus companheiros mortos e desapareçam. Lilliana, assustada, revela que o homem sem face é o seu irmão, Fergus, que a quer morta e o causador da maldição. Perante esta revelação, os aventureiros interrogam-se que mais Lilliana lhes terá omitido. Jérôme, no entanto, já jurara levar a rapariga até à próxima aldeia: Thornwich. Aí, os aventureiros e Lilliana providenciam quartos n'O Galo Cantante, a única estalagem. Ninguém reconhece os nomes de Lilliana e Fergus Knight, nem reconhecem qualquer dos bandidos pela descrição. O único evento digno de discussão foi o enforcamento de um assassino que ainda se encontra pendurado no cadafalso, no centro da aldeia, e cuja execução fora espectáculo público. Decidem, então, aguardar pela noite, altura em que planeiam visitar o cemitério e esperar por Fergus.

A noite é escura com a lua escondida pelas nuvens. Um silêncio pesado cai sobre a aldeia. Uma porta range na estalagem. Sebastian apercebe-se do movimento e alerta Jérôme. Lilliana esgueira-se furtivamente do seu quarto e sai para o largo central da aldeia. Dirigindo-se ao cadafalso, ajoelha-se e desenterra algo do solo húmido. Apesar da distância e do negrume, Jérôme e Sebastian distinguem-se algo que se agita na mão da rapariga. Parece ser uma planta mas com uma forma toscamente humana, debatendo-se em vão. Lilliana retira uma faca e corta a "cabeça" da planta. Guarda-a na sua bolsa. Regressando à estalagem, é surpreendida pelos dois. Imediatamente revela que a sua doença mortal requer a ingestão de uma poção cujo um dos ingredientes é uma raiz de madrágora, raiz de planta rara que cresce em solo onde alguém é enforcado. Jérôme e Sebastian não sabem dizer se a rapariga fala verdade. Até agora tudo o que ela tem proferido têm sido meias-verdades e omissões. Com que intuito?

Ainda os dois aventureiros ponderam o que fazer, quando um trotear de um cavalo corta o silêncio da noite. Cuspido pelo negrume, surge uma figura bizarra. Um corcunda montado num cavalo negro. As suas vestes negras e capa esvoaçante, com a cabeça coberta por uma máscara de serrapilheira, fá-lo parecer um demónio saído do Inferno. A sua forma deformada mistura-se com a do cavalo numa mancha negra disforme e fantasmagórico. Atrás de si, surgem os dois bandidos poupados pelos aventureiros, de mosquetes prontos a disparar. Com uma voz arrastada como se a língua fosse demasiado inchada para a boca, ordena que a rapariga saia da estalagem. Lilliana roga aos aventureiros que a protejam. Elena, agora acordada pela comoção, corre até aos companheiros.

Fergus exige que a irmã lhe revele o segredo para recuperar a forma sã do corpo. Revela aos aventureiros que ambos criaram uma poção da imortalidade mas enquanto Lilliana conseguiu distilar a fórmula para manter o seu corpo são e jovem, guardou segredo. O corpo de Fergus continua a definhar e a envelhecer embora a morte nunca o leve. Fergus garante que a irmã é uma pessoa odiosa e que os aventureiros poderão partir em troca dela. Lilliana garante que não sabe como curar o corpo deformado do irmão. Indecisos, os aventureiros decidem proteger Lilliana. Fergus decide chamar a si ajuda. Os dois bandido protegem-se com o cadafalso esperando que os aventureiros saiam da estalagem. Jérôme consegue correr para o centro do largo, protegendo-se por detrás de um poço. Na escuridão todos os vultos são indistintos. As chamas das mechas dos mosquetes flutuam como vagalumes. Mas algo mais se move no negrume.

Lenta e impiedosamente, um grupo de figuras arrasta-se para junto de Fergus. Os aventureiros reconhecem os bandidos mortos na estrada. Mas que magia negra é responsável por este horror? Fergus gesticula algo e instintivamente os aventureiros sabem que ele é o responsável pelo regresso dos mortos. Sem hesitar, Sebastian dispara mas a sua pistola encrava. Jérôme dispara também, atingindo-o no ombro e investe sobre os bandidos junto ao cadafalso mas estes antecipam a sua manobra e disparam, falhando o alvo. De súbito, Jérôme vê-se cercado pelos mortos que o tentam derrubar por terra. Para se poder defender, o espadachim larga a sua pistola e desembainha as suas armas. Com os dois distraídos, Fergus fustiga o cavalo para a estalagem ao encontro da irmã, mas Elena salta por uma janela pronta a atacar. O seu tiro falha o alvo e Fergus corre para o interior gritando por Lilliana. Sebastian acorre em sua ajuda. Com um tremendo golpe do seu machado, atinge Fergus nas costas derrubando-o. Cobardemente, os dois bandidos decidem fugir não sem antes disparar, desesperadamente, uma última vez contra Jérôme. A sorte favorece-os. Um tiro certeiro atinge-o no estômago. Uma dor lacinante trespassa-lhe o corpo e Jérôme sente a visão turvar-se. Lilliana corre para o exterior e antes que o pior aconteça gesticula no ar. As criaturas detêm-se e os seus corpos desintegram-se, como areia arrastada pelo vento.

Finalmente, Fergus é levado para a cadeia. Lilliana, eternamente agradecida, revela que o seu tutor em Londres, um alchimista e mago, poderá saber algo sobre as jóias do poder que os aventureiros procuram. Por ora, Jérôme decide descansar para recuperar dos seus severos ferimentos.